Avizinha-se uma apicultura portuguesa, moderna, competitiva e dinâmica, valorizando e criando mais poder neste setor. Além dos benefícios para o setor, temos os benefícios sociais, pois estamos a falar da criação de diversos postos de trabalho.
Contudo, existem vários problemas
que podem comprometer a sustentabilidade deste setor. Vamos falar apenas num deles,
as densidades das colmeias que é permitida a nível nacional, excetuando o
Alentejo.
Desde a chegada dos apicultores
espanhóis ao território português, que a apicultura portuguesa não voltou a ser
a mesma, infelizmente pela negativa. A partir da década de 80, foram muitas as
colónias dos apicultores portugueses que morreram, pois a chegada das colmeias
espanholas coincidiu com a chegada da varroa e outras doenças ao território
nacional.
Desde então o número de colmeias
espanholas não tem parado de aumentar no território português, chegando aos
milhares todos os anos. A abordagem destes “colegas” espanhóis tem sido muito
agressiva, pois, desde a colocação dos apiários em terrenos dos quais não têm
autorização (nem o dono conhecem), ao desrespeito contínuo das distâncias entre
apiários, tem levado a que em algumas regiões tenham sido completamente
invadidas, impedindo neste momento que jovens apicultores portugueses se
instalem, tenham boas produções e colónias saudáveis.
Muitas das autorizações
concedidas aos apicultores espanhois, tratam-se de autorizações ilegais, pois
na maioria das vezes são rendeiros de pastagens ou agricultores, que não têm
contrato de exploração apícola dos terrenos autorizados.
No distrito de Castelo Branco,
apenas nos concelhos de Idanha-a-Nova, Castelo Branco e Vila Velha de Ródão,
existem 40.000 colmeias espanholas,
aumentando o número todos os anos.
Conforme já foi referido, além da
ocupação de zonas onde já existem apicultores portugueses, ou zonas com
potencial para os jovens agricultores se instalarem, a perca de rendimentos nas
produções anuais é uma realidade. Outro dos problemas é a constante introdução
de doenças nas zonas controladas (zonas delimitadas a nível nacional, onde
existem regras de forma a minimizar e controlar as doenças das abelhas), pois
mesmo que os portugueses se esforcem e façam um trabalho exemplar, todos os
anos se veem confrontados novamente com as doenças, pois o facto dos espanhóis
efetuarem transumância de milhares de colmeias, mesmo que haja um controlo
veterinário, é impossível controlar tantas colmeias. Depois mesmo que se
verifiquem as doenças em Portugal nas suas colmeias, podem sempre alegar que terão
sido infetadas no território português.A culpa talvez nem seja toda deles, pois se formos a ver, o abandono das “terras” que se verifica a nível nacional juntamente com a falta de importância que é dada ao setor apícola, tem permitido que o nosso país seja visto como uma “república das bananas”, permitindo explorar os recursos naturais portugueses, livre de quaisquer impostos, pois os produtos das colmeias explorados (principalmente pólen) são faturados na vizinha Espanha, não havendo qualquer controlo, nem registos.
Se considerarmos uma média de 3
kg de pólen por colmeias (um valor baixo, para colónias que produzem apenas
polén), estas 40.000 colmeias destes 3 concelhos do distrito de Castelo Branco,
poderão produzir entre 100 a 120 mil kg de pólen/ano. Uma vez que os preços do
pólen variam entre 5 a 8 euros o kg (vendido a granel) podemos estar a falar
numa faturação que pode chegar a 1
milhão de euros. É pena que possivelmente sejam faturados em Espanha,
apesar da sua proveniência ser portuguesa…
E não se esqueçam, estamos a
falar apenas de 3 concelhos a nível nacional…E como quem não vê não sente, as entidades competentes nada fazem a este respeito, pois não se sabe os milhares ou milhões de euros que todos os anos são faturados a partir de recursos naturais nacionais.
Outro problema que se tem verificado que também é gravíssimo são os abelharucos (Merops apiaster). Esta espécie tem como base da sua alimentação as abelhas. Acontece que sendo uma espécie selvagem, o sucesso da sua reprodução está relacionada com a abundância de alimento. Os milhares de apiários espanhois que se verificam nesta zona permite a esta espécie reproduzir-se abundantemente.
Estas aves geralmente poem 2 a 6
ovos. Uma vez que têm alimento em abundância a taxa de sucesso e sobrevivência
das crias é elevada, criando populações elevadas.
Até aqui tudo bem, é a lei da
vida e da sobrevivência, contudo, os apiários espanhois são retirados durante o
mês de Junho, fazendo com que essa população de abelharucos, que até à data
estava dispersa por centenas de apiários, “ataque” catastroficamente vários
apiários portugueses, causando prejuízos incalculáveis.
Depois deste desabafo vamos ao
tema do artigo.
A legislação portuguesa permite a
colocação até um máximo de 100 colmeias por apiário, tendo de ficar
distanciados 800 metros uns dos outros, caso um dos apiários tenha mais que 30
colmeias.
As abelhas em média exploram a
flora circundante num raio de 2 a 3 km, podendo chegar aos 10 km em épocas de
carência. Contudo segundo alguns estudos será num raio de 2km que se verifica
maior atividade.
Ao permitirmos a colocação de 100
colmeias por cada 800 metros, quer dizer que se permite a colocação de 1800
colmeias no raio de exploração (2km) do apiário central. Todas estas colmeias
também irão explorar os recursos desta zona.
As colmeias mais fortes, no auge
da primavera chegam a ter 60 000 abelhas, isto quer dizer que podemos ter 114
milhões de abelhas num raio de 2km.
Esta é apenas uma análise
simplista e grossista, contudo, é mais que suficiente para entendermos que
podemos ter um problema de sustentabilidade.
Nem sequer vamos estar a falar da
quebra de produção, caso se verifiquem todos estas colmeias. A qualidade da
comida é essencial para as abelhas, desenvolvimento das larvas e para
resistirem, por exemplo ao Inverno e algumas doenças.
Com uma grande densidade de
colmeias/ha é muito difícil para as abelhas obterem alimento de qualidade,
principalmente pólen de qualidade que contenha elevados teores proteicos e aminoácidos
essenciais. Consequentemente, isto enfraquece o sistema imunológico das
abelhas, tornando-as mais vulneráveis às doenças.
Existem
estudos que relacionam diretamente o alimento de baixa qualidade com o
enfraquecimento e morte das colónias. Todos os países têm tido grandes perdas
(mortalidade de colmeias) todos os anos. Por exemplo, Espanha tem tido perdas
na ordem dos 14 aos 89% e França 29,3% (Recent
data compiled by the COLOSS working group).
A
origem continua desconhecida, contudo, tudo indica que sejam inúmeros fatores,
desde, pesticidas, doenças e as elevadas
densidades de colmeias/ha.
Durante a floração do rosmaninho
e Esteva (Março a inicio de Maio), é a única altura na região de Castelo
Branco/Idanha-a-Nova, onde se reúnem as melhores condições para as abelhas em
termos nutricionais, sendo os restantes meses do ano muito “pobres”, sendo
bastante problemático as elevadas densidades de colmeias em algumas zonas,
criando stress nas abelhas, pois têm de competir pelo alimento.
A título de exemplo, na Austrália,
onde as produções/colmeia são muito boas (50 a 60kg de mel, em média, podendo
atingir os 120kg), por lei, a distância entre apiários “comerciais” (100
colmeias), são de 1,5 a 2km, havendo regiões que chegam aos 3km.
Na região de Castelo Branco as
colmeias produzem em média 15 a 20kg/colmeia, dependendo dos anos, mas podem
atingir valores inferiores a 10kg/colmeia em anos maus.
No Alentejo as distâncias entre
apiários é de 1,5 km, com um máximo de 75 colmeias/apiário. Se formos a ver a
região de Castelo Branco, em termos edafo-climáticos e flora explorada pelas
abelhas, pouco ou nada difere de muitas regiões do Alentejo.
Voltando aos espanhóis, imaginem
zonas em que existem vários apiários com 100 colmeias, que distam entre si 450
a 500 metros, pois estão ilegais. É esta situação sustentável?
Isto tudo para fazer entender aos
decisores e colegas apicultores que é necessário fazer algo urgentemente, pois
o aumento do número de colmeias que estamos à espera na nossa região, devido
aos projetos de jovens agricultores que estão em curso, juntamente com o
aumento esperado do número de colmeias espanholas vai originar
insustentabilidade, contudo já se verifica em muitas zonas.
Seria urgente, pelo menos, adotar
as distâncias (1500 metros) e o número de colmeias máximo por apiário (75) que
já é praticado no Alentejo, pois raros são os apiários portugueses nesta zona
que têm mais de 75 colmeias.
O controlo das distâncias deveria
ser efetuado logo no ato de registo anual das colónias, pois as tecnologias que
já dispomos permitem de forma simples e eficaz saber com exatidão a distância.
Basta criar uma base de dados com as coordenadas GPS dos apiários (prática
comum já verificada noutros países). Isto evitava que as equipas do SEPNA (que
têm feio um bom trabalho) recebessem tantas queixas por desrespeito de
distâncias e falta de autorizações para a colocação de apiários espanhois.
Também deveria ser obrigatório a
apresentação de uma autorização assinada pelo proprietário.
Esta alteração de distâncias não
necessita de ser nacional, pois a flora difere de região para região, contudo,
na nossa zona onde o Rosmaninho é dominante, é urgente a implementação de novas
medidas.
Apenas em algumas regiões junto a
Espanha se verifica esta problemática, fazendo com que a mensagem não chegue da
forma devida, sendo esta situação menosprezada, pelo que se agradece a todos os
colegas apicultores que se juntem a esta causa de forma a criar uma solução.
Cabe ao governo e às entidades
competentes, reverem e pensarem o futuro que querem para a apicultura
portuguesa, pois numa época de crise como a que estamos a atravessar é
necessário criar condições favoráveis à instalação de jovens apicultores,
criando desta forma postos de trabalho.
É o segundo artigo que público em
que faço referencia ao problema dos apiários espanhóis, pelo que peço desculpa
aos colegas que cumprem a lei da apicultura portuguesa e respeitam os
proprietários e apicultores portugueses, agradecendo também que tenham “bom
senso” e “sensatez” quando se virem confrontados com o aumento do número de
colmeias portuguesas…
Saudações apícolas!
João Tomé
…um apicultor, pela apicultura…
Olá
ResponderEliminarSe à densidadede de abelhas por, digamos metro quadrado, juntarmos outros insetos polinizadores e recoletores os números apresentados anteriormente sobem bastante, pelo que a escassez de alimento se vai acentuar.
Hoje em dia fezem-se petições por tudo e por nada e alguns dos argumentos que apresentou no artigo serviriam na perfeição para fundamentar uma e levar este assunto à discussão na Assembleia da República.
Será que entre apicultores, familiares e amigos não se arranjariam assinaturas suficientes?
Cumprimentos
Carlos Fernandes
Caro Carlos Fernandes,
ResponderEliminarEste assunto já o fiz chegar uma vez ao parlamento, à cerca de 2 ou 3 anos... ninguém se dignou a comentar... e a resposta por parte do governo, foi uma mera explicação do que é a transumância.
Uma vergonha!
Já enviei novamente este problema para o parlamento, esperamos que desta vez seja a última, pois considero que o artigo tem assuntos muitos graves, sendo todos eles verídicos.
Cumprimentos,
João Tomé
Caro João Tomé,
ResponderEliminarAntes de mais parabéns pelo excelente artigo.
Considero essencial a criação de um jornal apícola nacional, e creio que deveria ser um dos locutores da sua região. Hoje em dia para conhecermos o mundo apícola nacional temos que navegar por diversos sites e blogs, talvez a iniciativa fosse um fator de união, promoção e partilha homogénea de conhecimentos a criação de um meio único de divulgação. Quem sabe a FNAP possa promover a sua criação, juntamente com as diversas associações, seria um projeto interessante.
É de louvar a sua iniciativa e por isso reforço que se deveria dinamizar e promover o setor, posteriormente talvez viesse um pouco mais de conhecimento geral das suas problemáticas e um maior impacto quer em termos sociais quer em termos políticos.
A georreferenciação de apiários a análise de viabilidade da exploração apícola regional e nacional, de caras aos vários fatores de afetação é fundamental, quer para orientação de políticas quer para elaboração dos PAN e orientação laboral das associações e dos associados.
Quanto à tutela esta só tinha a ganhar se orienta-se parte do financiamento comunitário para a criação de mecanismos de controlo e análise. Não seria um "projeto" difícil e inviável, uma vez que traria sustentabilidade à atividade, aos apicultores e aos novos projetos. Falo concretamente da problemática que aborda no seu artigo e da dificuldade de controlo da população melífera, não será só necessário aumentar as distâncias entre apiários talvez uma análise profunda da viabilidade da instalação de novos projetos por região ou agrupamento fosse essencial nesta fase. Isto, para não corrermos o risco de muitos deles não sobreviverem sequer 5 anos.
Os meus passos são recentes pelo mundo da apicultura, contudo e pelo que tenho lido e comentado com outros apicultores, o setor está mais vivo do que nunca, contudo completamente desregulado e ausente de orientações. Necessitamos de vozes, creio que seria um elemento essencial par um encontro futuro no sentido de dar um novo rumo à "fileira", sim fileira deveria ser até estratégica por parte da tutela face ao investimento público que neste momento é alvo.
Cumprimentos e muito obrigado pelo serviço público que presta.
Samuel Lima Jácome
Viana do Castelo